Ordenamento do Território dos Açores

Este item permite proceder à divulgação dos objetivos de qualidade de paisagem e das orientações para a gestão da paisagem dos Açores, com base nas paisagens identificadas, incluindo as respetivas caracterizações, elementos singulares e pontos panorâmicos, promovendo o conhecimento adquirido e o acompanhamento das políticas públicas de paisagem.

Caracterização e Identificação das Paisagens dos Açores | RAA

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Paisagens Açorianas

Paisagens Açorianas

As nove ilhas açorianas localizam-se nas proximidades da junção tripla entre as placas euroasiática, americana e africana, de acordo com um contexto geodinâmico complexo e ainda alvo de alguma controvérsia científica. [+]

O enquadramento geodinâmico justifica a intensa atividade sismovulcânica observada nos Açores, o que é evidenciado pelo facto de terem ocorrido, desde o povoamento das ilhas, mais de 20 erupções vulcânicas, descritas nos documentos históricos.

As manifestações sismovulcânicas observadas atualmente são testemunho de uma longa história natural. A idade aproximada de 8 milhões de anos para as formações geológicas subaéreas mais antigas afluentes nas ilhas dos Açores, concretamente em Santa Maria, demonstram-no inequivocamente.

A presença de fortes forças naturais traduz-se numa paisagem de onde ressalta um misto de beleza e mistério. Na poética paisagística misturam-se a presença da água e do fogo, as forças do interior e da superfície da Terra, traduzidas nas mais variadas expressões do oceano e dos fenómenos vulcânicos. Estas expressões, consoante os casos, podem corresponder a situações admiráveis e espetaculares, refletidas na morfologia vulcânica, de onde se destaca a montanha do Pico, a diversidade de caldeiras e lagoas que se encontram nas várias ilhas, a expressão de paisagens efémeras como o vulcão dos Capelinhos, ou a estranheza das Furnas que se assemelham ao borbulhar escaldante da Terra. As mesmas forças podem, noutras circunstâncias, impor o mais profundo respeito e insegurança em relação aos fenómenos da natureza, como o vulcanismo, os sismos, os temporais de chuvas e ventos intensos, pouco frequentes em Portugal Continental.

O mar, quase omnipresente, assume também esta duplicidade simbólica. Em situações climatéricas calmas assemelha-se a um infinito espelho de água, transparente e claro junto à costa, ganhando tonalidades mais escuras ao afastar-se dela e ao tornar-se profundo. Na linha de costa, onde o mar encontra a terra, observam-se com frequência combinações admiráveis de azuis com um verde leitoso, depois transformados no branco da rebentação, que se espraia ou embate violentamente sobre a lava negra contrastante. Ao contemplar a partir de pontos elevados esta extensíssima massa de água, tem-se a sensação que o oceano se comporta como um gigante tranquilizador que pacifica os sons e os ritmos das atividades humanas na paisagem. Pelo contrário, quando o estado do tempo se agrava o mar acinzenta-se e limita os horizontes das ilhas, separando-as e envolvendo-as numa densa bruma húmida, que reforça a sensação de isolamento no meio do atlântico.

A alternância destes estados de tempo é muito marcante no clima e na paisagem dos Açores. No dizer de João de Melo [2000] “... o clima dos Açores sempre foi, e será, a força mais dinâmica da sua paisagem: todo o tempo é feito de mudança, numa estação de perpétua aventura”. Ainda que se verifique uma relativa amenidade climática ao longo do ano, regularizada pela presença do oceano e caracterizada por temperaturas suaves, precipitações elevadas, tal como os valores da humidade e da pressão atmosférica, as frequentes oscilações do Anticiclone dos Açores propiciam uma enorme instabilidade climática, bem ilustrada na expressão de que “as quatro estações ocorrem num só dia”. 

Esta alternância, comum ao longo do dia, mas também ao longo do ano, pode transferir-se para as diferentes feições de uma mesma paisagem, se considerarmos que as mudanças rápidas de luz, a visibilidade à distância, a velocidade do vento e da passagem das nuvens, as cores do oceano, as texturas, a relação com o mar e com o céu, as vivências do espaço interior ou exterior, se alteram profundamente.

As chuvas particularmente intensas nas zonas mais altas, na sua rápida descida até ao mar, escavam nas encostas numerosas ribeiras, na maioria de caudal temporário, que ao tornarem-se muito fundas se designam por grotas. Na paisagem açoriana os cursos de água permanentes são pouco frequentes, tendo alguns sido aproveitados para o funcionamento de engenhos como moinhos, azenhas, entre outros. O clima, aliado à fertilidade dos solos vulcânicos, geralmente francos, mais ou menos profundos e com boa drenagem interna, faculta-lhes uma flora e vegetação diversificadas e de grande produtividade, variando as culturas e o tipo do coberto vegetal consoante a altitude e as características do substrato, desde solos fundos e muito férteis até aos mais pobres mistérios e biscoitos, onde só vingam, além da vinha e do famoso Verdelho, os arbustos e árvores cujas raízes conseguem alcançar, através de fendas, os antigos solos aráveis, soterrados pela camada de lava solidificada.

Para além da diversidade de situações a que o mar, direta ou indiretamente induz, as características da faixa costeira influenciam também a perceção da paisagem, tanto na relação da terra com o oceano, como quando se faz a aproximação às ilhas por mar. Podem referir-se distintos elementos que determinam a caracterização do litoral açoriano:

a altura das falésias [muito alta na costa norte em São Miguel ou muito baixa em Biscoitos na Terceira];

o recorte da linha de costa [muito recortada a sudoeste das Flores ou pouco recortada na costa este do Corvo];

a presença de vegetação [densa e diversificada na encosta norte de São Jorge, que cai vertiginosamente sobre o mar, ou muito rochosa, sem vegetação, como a faixa entre Castelo Branco e Varadouro, no Faial];

a relação com ilhéus [se considerarmos a expressão e o valor simbólico de ilhéus como o de Vila Franca do Campo, em São Miguel, ou o Ilhéu das Cabras, na Terceira];

a presença de fajãs [com especial destaque para São Jorge e Flores];

a forma como as linhas de água confluem no mar [desembocando em profundas grotas como na costa sudoeste da Graciosa, muito distinta da confluência da ribeira - sem nome - no Faial da Terra, em São Miguel];

as cores dominantes [merecem referência as Arribas de Porto Afonso, na Graciosa, com fortes cores ferrugíneas de vermelhos e ocres, muito diferentes da expressiva manta de lava negra a noroeste da Madalena, no Pico];

a existência de povoados que tornam a relação com o mar mais intensa, sobretudo quando a eles estão associadas formas de utilização das arribas, trabalhadas em socalcos para produção de vinha [como é o caso da Baía de São Lourenço e da Maia, em Santa Maria]. Também a existência de portos, cais ou varadouros reforça a relação dos povoados com o mar [como Velas, em São Jorge, e Biscoitos, na Terceira];

as invulgares extensões de areia negra de que são constituídas a maioria das praias açorianas. Por serem pouco frequentes é comum a construção de piscinas naturais ou o aproveitamento de nascentes de água termal [como vários casos em São Miguel ou os Banhos de Carapacho, na Graciosa].

A adaptação do Homem às condições açorianas para aqui se instalar e sobreviver, foi iniciada com o povoamento no século XV, onde Santa Maria foi a primeira ilha a receber colonos e Flores a última, podendo ter intervalado cerca de 100 anos entre as duas. Com base em Gaspar Frutuoso [1963] pode inferir-se que uma parte significativa dos atuais povoados já existia no século XVI, instalados predominantemente numa faixa linear e paralela à linha de costa, ainda que ligeiramente recuada. Esta localização beneficia de uma maior amenidade climática, associada a um relevo mais plano, e facilita o acesso aos recursos que o mar oferece e o contacto com o exterior, que até há poucos anos se fazia essencialmente por mar. Raros são os casos em que o povoamento preferiu lugares interiores para se instalar, para se proteger dos frequentes ataques piratas, para beneficiar de recursos específicos como a fertilidade das terras, no caso de Santa Bárbara em Santa Maria, ou para o aproveitamento de águas termais como nas Furnas em São Miguel. Do processo de humanização da paisagem que recebeu diversas influências, de acordo com a proveniência dos povoadores, identificam-se bons exemplos do aproveitamento dos recursos naturais e interessantes e valiosos testemunhos culturais, sejam sob a forma de património edificado, paisagístico ou etnográfico. A cultura da vinha em currais sobre biscoito, também utilizados para a produção de figos, a compartimentação dos campos agrícolas e de pastagens com muros de pedra ou com sebes vivas, a construção de poços de maré, as formas de aproveitamento e armazenamento das águas pluviais, são apenas alguns exemplos. A organização e uma generalizada atitude de cuidado no tratamento dos espaços públicos e privados representa também uma forma de estar e um certo sentimento de pertença das pessoas relativamente ao património privado ou coletivo, que contribui significativamente para uma intervenção individual no ordenamento da paisagem, que deverá ser valorizada e incentivada.

A constante luta com a instabilidade da terra, do clima e da paisagem, indissociável da forte presença da natureza, influencia as manifestações religiosas ou culturais que também importa considerar na paisagem açoriana. “A fúria dos vulcões e o sacudir dos terramotos moldaram usos e costumes. O medo levou às promessas, que o tempo transformou em romarias e o distanciamento elegeu em festas.” [Martins, 2000]. A presença e a importância com que a igreja se destaca em cada freguesia, normalmente virada ao mar e ladeada por enormes araucárias, testemunha a forte religiosidade do povo açoriano. O culto do Espírito Santo, muito associado aos Impérios de diversas formas e exuberância decorativa é uma das festividades mais características dos Açores, comum a todas as ilhas, onde se misturam um conjunto de rituais sagrados e pagãos. As touradas à corda, muito famosas na Terceira, são outra manifestação cultural muito arreigada no povo Terceirense e Graciosense.

Muitos destes costumes resultam da forte influência de diferentes proveniências culturais que remontam tanto ao povoamento como a diferentes períodos que marcam a história dos Açores, os Descobrimentos, a importância estratégica que os Açores, em particular Angra do Heroísmo, assumiram para as grandes rotas comerciais do Oriente e da América do Sul, a resistência ao domínio Filipino espanhol, as lutas liberais, ou mais recentemente, a importância estratégica que representa esta plataforma no meio do Oceano para fins militares, primeiro em Santa Maria e depois na Terceira. Também a autonomia política do Arquipélago relativamente a Portugal Continental, em 1974, constituiu um momento histórico e administrativo importante. António Valdemar [in Suplemento do Jornal Expresso nº 1195 de 3 de setembro de 1995] refere-se ao contexto histórico e cultural açoriano como um “Pequeno Universo entre dois continentes, que permanece entre a aceitação e a fuga, o marasmo e a aventura. Os Açores têm mantido, ao longo de cinco séculos, expressões de vida e de cultura que encerram a herança da Europa, o fascínio do Oriente e o exotismo dos trópicos”.

Estas influências culturais podem ser percebidas de variadíssimas formas [nas diferentes expressões da arquitetura particular, pública ou religiosa, nos diferentes tipos de moinhos de vento] ou relacionar-se, também, com atividades como a caça à baleia, que assumiu uma grande importância no Pico, ou costumes como o uso de especiarias na gastronomia terceirense.

A paisagem traduz-se numa escala muito própria que se repete com frequência nas diversas ilhas em termos de: 

distribuição dos usos e das atividades humanas em função da altitude, pois o relevo, associado a uma grande diversidade de formas, é o principal fator determinante da paisagem, na medida em que define o zonamento das culturas ou vegetação natural e o conforto climático necessário à instalação de povoados. Pode esquematicamente referir-se que a maioria dos povoados e áreas agrícolas se situam até aos 150 metros de altitude. Entre este valor altimétrico e os 350 metros situa-se uma grande parte das pastagens, alguns matos ou matas nos terrenos mais declivosos ou sobre biscoitos e mistérios. Neste intervalo poderão ainda surgir alguns povoados, como sucede, por exemplo, em São Jorge [Norte Grande e Norte Pequeno] ou nas Flores [Cedros]. Acima dos 350 metros e até aos 1200 metros encontram-se, ainda, algumas pastagens com matos e matas progressivamente mais frequentes, à medida que aumenta a altitude. Acima dos 1200 metros apenas ocorrem os matos de altitude;

localização dos povoados, normalmente numa faixa junto à costa, ao longo dos festos de mais fácil acesso ou das vias principais. São muito raros os povoados de interior, encontrando-se os principais em São Miguel [Furnas] e em Santa Maria [Santa Bárbara e Santo Espírito];

organização dos usos na relação de proximidade com os povoados, regra geral os povoados, independentemente da sua dimensão, são rodeados de áreas agrícolas, a que se seguem as pastagens, os matos e depois as matas. Esta organização que se relaciona diretamente com o relevo, em particular com a altitude, corresponde a uma maior diversidade cromática e de texturas nas áreas agrícolas, e ao domínio de diferentes tons de verde nas restantes.

Está presente uma forte sensação de isolamento, entre o Arquipélago e o Continente, seja o europeu ou o americano, ou entre as ilhas. Este fator é determinante para que alguns efeitos da evolução social e cultural tenham sido retardados, o que explica a existência de algumas facetas da ruralidade [como o Topo em São Jorge e Santa Bárbara em Santa Maria], ameaçadas ou já desaparecidas no Continente português. A imensidão do mar e do céu comparativamente com a pequena, ainda que muito variável, dimensão das ilhas, reforça este sentimento de isolamento. A aparente relação visual de vizinhança que se estabelece entre ilhas, tanto na paisagem diurna como noturna, em cada um dos três grupos [Oriental, Central e Ocidental], contribui fortemente para atenuar esta sensação de isolamento. A este propósito afirmava Raul Brandão [1926] “Já percebi que o que as ilhas têm de mais belo e as completa é a ilha que lhe está de frente – o Corvo, as Flores, o Faial, o Pico, o Pico, S. Jorge, S. Jorge, a Terceira e a Graciosa”.

Para além da dominante de azul e verde, do vigor do relevo ou das características climáticas, a paisagem açoriana tem traços comuns muito bem marcados. Contudo, a combinação desses fatores com os de ordem histórica e cultural permite distinguir um carácter e uma identidade própria em cada uma das ilhas. Também no interior de cada uma delas, apresentam uma apreciável diversidade. A combinação dos elementos naturais e humanos que definem a paisagem resulta, em alguns casos, num excecional interesse e valor paisagístico, como são exemplo a Montanha do Pico, a vinha em currais na Madalena do Pico, o Vale das Furnas e a Lagoa das Sete Cidades em São Miguel, a Baía de São Lourenço em Santa Maria, a Fajãzinha e a Fajã Grande nas Flores.

Frequentemente, a paisagem açoriana é “vendida”, na linguagem turística, como paisagem natural, o que não corresponde à realidade, por resultar de uma profunda transformação, ainda que se destaquem significativamente alguns elementos ou forças naturais. O domínio dos verdes das pastagens, das lagoas e das hortênsias, está presente no imaginário das paisagens açorianas como uma imagem estereotipada, sobretudo por quem nunca teve oportunidade de visitar o Arquipélago. O contacto direto com as diferentes ilhas e a interpretação da realidade presente revelam tratar-se de uma paisagem mais rica, diversificada e interessante, comparativamente à que é divulgada, o que representa uma enorme potencialidade.