Este item permite dar a conhecer a Convenção Europeia da Paisagem [CEP], bem como a metodologia subjacente ao desenvolvimento do SIAGPA, designadamente na definição dos objetivos de qualidade de paisagem e das orientações para a gestão da paisagem a aplicar aos Açores, possibilitando deste modo aplicar a CEP à paisagem açoriana.
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A Convenção Europeia da Paisagem
A Convenção Europeia da Paisagem
A Convenção Europeia da Paisagem [CEP], aprovada pelo Decreto n.º 4/2005, de 14 de fevereiro, tem como objetivo promover a proteção, a gestão e o ordenamento da paisagem e organizar a cooperação europeia neste domínio. [+]
Com a CEP, o conceito Paisagem passou a ter como definição “uma parte do território, tal como é apreendida pelas populações, cujo carácter resulta da ação e da interação de fatores naturais e ou humanos” [alínea a] do artigo 1.º da CEP]. No entanto, destaca-se que esta definição engloba outras definições anteriormente utilizadas, nomeadamente a que serviu de base ao ‘Estudo de Identificação e Caracterização das Paisagens dos Açores’ [Cancela d’Abreu, et. al, 2005] em que “a paisagem é um sistema dinâmico, onde os diferentes fatores naturais e culturais interagem e evoluem em conjunto, determinando e sendo determinados pela estrutura global, o que resulta numa configuração particular, nomeadamente de relevo, coberto vegetal, uso do solo e povoamento, que lhe confere uma certa unidade e à qual corresponde um determinado carácter”.
O que o conceito de paisagem definido pela CEP traz de inovador relativamente a outros conceitos anteriormente utilizados é o facto de considerar, não só as componentes de natureza objetiva, como é o caso das componentes biofísica e humana, mas também de ordem subjetiva, e por isso social, na medida em que é relevante considerar o modo como a mesma é sentida e entendida por diferentes grupos da população, numa lógica de participação dos diversos atores no seu conhecimento, perceção, ordenamento e gestão. Como tal, e pela primeira vez, a paisagem é assumida legalmente como um bem público, independentemente de se tratar de uma paisagem natural, urbana, periurbana ou rural, em distintos estados de conservação ou com um excecional valor. Esta nova abordagem corresponde ainda a um entendimento holístico da paisagem, sugerindo uma efetiva integração do conhecimento e da ação.
Esta dimensão operativa da intervenção da paisagem deverá ser definida por uma Estratégia ou Política de Paisagem, que a CEP “designa a formulação pelas autoridades públicas competentes de princípios gerais, estratégias e linhas orientadoras que permitam a adoção de medidas específicas tendo em vista a proteção, a gestão e o ordenamento da paisagem" [artigo 1º da CEP].
Esta estratégia deverá ter em conta os seguintes aspetos:
traçar políticas específicas de paisagem e, em simultâneo, a inclusão sistemática da dimensão Paisagem nas políticas sectoriais que têm uma influência direta ou indireta sobre as modificações do território. Por isso a paisagem não é suplementar aos outros temas, mas sim uma das suas partes integrantes;
a transição de uma política baseada unicamente na proteção das características e partes do território reconhecidas como notáveis para uma política baseada na qualidade de todo o ambiente vivido, quer seja excecional, quotidiano ou degradado;
uma definição de novas formas de colaboração entre os vários organismos e os vários níveis da administração;
uma nova aproximação à observação e interpretação da paisagem, o que deve no futuro:
considerar o território como um todo [e não mais identificar só os sítios a proteger];
incluir e combinar em simultâneo várias aproximações, interligando as abordagens ecológica, arqueológica, histórica, cultural, percetiva e económica;
incorporar aspetos sociais e económicos.
Nesta sequência, e no que diz respeito a medidas, os compromissos propostos pela CEP são os que a seguir se descriminam:
Medidas gerais [artigo 5.º da CEP]
Reconhecer juridicamente a paisagem como uma componente essencial do ambiente humano, uma expressão da diversidade do seu património comum cultural e natural e base da sua identidade;
Estabelecer e aplicar políticas da paisagem visando a proteção, a gestão e o ordenamento da paisagem através da adoção das medidas específicas;
Estabelecer procedimentos para a participação do público, das autoridades locais e das autoridades regionais e de outros intervenientes interessados na definição e implementação das políticas da paisagem;
Integrar a paisagem nas suas políticas de ordenamento do território e de urbanismo, e nas suas políticas cultural, ambiental, agrícola, social e económica, bem como em quaisquer outras políticas com eventual impacte direto ou indireto na paisagem.
Medidas específicas [artigo 6.º da CEP]
Sensibilização - incrementar a sensibilização da sociedade civil, das organizações privadas e das autoridades públicas para o valor da paisagem, o seu papel e as suas transformações;
Formação e educação – promover: a formação de especialistas nos domínios do conhecimento e da intervenção na paisagem; programas de formação pluridisciplinar em política, proteção, gestão e ordenamento da paisagem, destinados a profissionais dos setores público e privado e a associações interessadas; cursos escolares e universitários que, nas áreas temáticas relevantes, abordem os valores ligados às paisagens e as questões relativas à sua proteção, gestão e ordenamento;
Identificação e avaliação - Identificar as paisagens no conjunto do seu território, analisar as suas características, dinâmicas e pressões que as modificam e acompanhar as suas transformações, bem como avaliar as paisagens identificadas, tendo em consideração os valores específicos que lhes são atribuídos pelos intervenientes e pela população interessada;
Objetivos de qualidade de paisagem - definir objetivos de qualidade de paisagem para as paisagens identificadas e avaliadas, após consulta pública;
Aplicação - estabelecer instrumentos que visem a proteção, a gestão e/ ou o ordenamento da paisagem, com vista à aplicação de políticas de paisagem.
Face ao exposto, podemos concluir que os objetivos gerais a que a CEP aspira podem sintetizar-se nas seguintes ações:
identificar e caracterizar as paisagens e as suas principais transformações;
definir medidas orientadoras para a sua gestão;
promover a participação pública na implementação da CEP através de uma política de paisagem;
definir objetivos de qualidade de paisagem para as paisagens identificadas, recorrendo à consulta pública;
proteger a paisagem no sentido de preservar o seu carácter, qualidades e valores;
gerir a paisagem no sentido de harmonizar as alterações resultantes dos processos sociais, económicos e ambientais;
ordenar a paisagem de modo prospetivo visando a valorização, a recuperação ou a construção de novas paisagens;
integrar a paisagem em todas as políticas relevantes, tais como as de ordenamento do território, política agrícola e florestal, política da água, política da conservação da natureza e do turismo, entre outras;
promover a educação e a sensibilização nas temáticas da paisagem.
O objetivo que mais relevância assume em termos operativos diz respeito à definição de Objetivos de Qualidade de Paisagem [OQP], objetivos esses essenciais à implementação de medidas de proteção, gestão e ordenamento.
Por OQP entende-se “a formulação pelas autoridades públicas competentes para uma paisagem específica, das aspirações das populações relativamente às características paisagísticas do seu quadro de vida”. Transpor este enunciado para a escala local ao nível de uma Unidade de Paisagem [UP] pressupõe que os objetivos relacionados com a qualidade paisagística sejam fortemente articulados com os outros objetivos que se incluem numa estratégia mais alargada de ordenamento e gestão territorial local e regional.
A definição dos OQP deverá resultar de anterior análise e diagnóstico e corresponder a um aprofundamento dos objetivos sectoriais [como é o caso dos objetivos económicos, sociais, ambientais, entre outros] e da qualidade paisagística que se pretender obter, de acordo com os padrões de qualidade de vida que satisfizerem as necessidades e expectativas da população local, assim como as exigências técnicas e institucionais. No entanto, verifica-se que não é de fácil entendimento para o comum do cidadão, nem tão pouco para muitos técnicos, o interesse e a necessidade de definir os referidos OQP.
Assim, os OQP deverão ser entendidos como o resultado da convergência de aspirações dos cidadãos, da opinião dos especialistas e das políticas públicas em relação à paisagem, com repercussões num conjunto de características reconhecidas como essenciais na área de intervenção da paisagem. Para que os OQP tenham implicações práticas ao nível da ação, é fundamental que se considerem pelo menos três aspetos:
Espacialização ao nível da ocupação do solo
os objetivos deverão ser definidos na perspetiva de se poderem relacionar com a distribuição dos usos e ocupação do solo no espaço, de acordo com a funcionalidade que se lhe atribuir. Esta será, eventualmente, a componente dos OQP que mais diretamente se poderá relacionar com o ordenamento do território definido ao nível dos planos diretores municipais [PDM], a transpor para a Planta de Ordenamento e para a Planta de Condicionantes numa possível fase de revisão deste instrumento;
Perceção dos Atores
a implementação dos OQP pode e deve conduzir à construção de novas perceções da paisagem, se existir, de facto, um envolvimento e participação dos seus diversos utilizadores, tanto na análise como na definição de propostas, para o que são também importantes a realização de ações de informação, formação e sensibilização;
Tomada de decisões
são estas novas perceções que poderão criar condições para o alcançar de consensos e o estabelecimento de compromissos para a implementação dos OQP, podendo assim influenciar o modelo de tomada de decisão, em termos formais [institucional] e informais [decisões espontâneas, não das entidades da administração pública]. Se considerarmos que uma melhor qualidade da paisagem pode induzir uma melhor qualidade de vida, admite-se que novas perceções possam surgir como consequência de uma maior relação de identidade entre a paisagem e os seus utilizadores, o que poderá criar condições favoráveis para novos modelos de tomada de decisão que, por sua vez, aumentem a eficiência dos instrumentos de gestão territorial.
Neste quadro de ação, uma das medidas propostas, para além das de Proteção e Ordenamento é a Gestão, aquela que se entende ter maior aplicabilidade nos Açores. Gestão da Paisagem “designa a ação visando assegurar a manutenção de uma paisagem, numa perspetiva de desenvolvimento sustentável, no sentido de orientar e harmonizar as alterações resultantes dos processos sociais, económicos e ambientais”. Se a gestão pressupõe ação, torna-se essencial desenvolver competências para que os diferentes atores locais e regionais possam consertar posições, interesses e expectativas, processo que pode ser designado como “Empowerment” cujo objetivo é democratizar a tomada de decisão e estabelecer uma base partilhada de responsabilidades e compromissos para a implementação das referidas ações de gestão, rumo a novos modelos de “Governança”. No modo governança partilhada ou colaborativa, diversos parceiros negoceiam, definem e garantem, entre eles, a partilha de funções, de direitos e de responsabilidades a propósito da paisagem em questão e dos respetivos recursos. A Governança Partilhada significa reconhecer que cada ator é apenas uma peça de entre o conjunto de atores e que a melhor decisão será aquela que reunir outras opiniões que tomem parte na discussão. O funcionamento destes atores em rede, horizontal e vertical, é a forma de assegurar que a tomada de decisão é tomada numa perspetiva multinível e multi-atores.
Tanto a necessidade da integração das políticas sectoriais como a consideração da dimensão social da paisagem, pressupõem, necessariamente, um reforço da componente participativa com vista à definição e implementação de uma possível Política de Paisagem. Neste sentido, entende-se que estes princípios deverão criar condições para um processo de decisão mais flexível, atendendo a um maior número de interesses em presença, por um lado e, por outro lado, conseguir integrar um leque mais abrangente de conhecimentos, gerando soluções mais inovadoras, fundamentadas e sustentáveis num plano de ação com responsabilidades partilhadas.
Assim, a integração da paisagem nas políticas de ordenamento do território e de urbanismo, e nas políticas cultural, ambiental, agrícola, social e económica, bem como em quaisquer outras políticas com eventual impacte direto ou indireto na paisagem, resultará em grande medida da formulação dos OQP. Tais objetivos deverão atender aos aspetos que tais políticas definem relacionados com a gestão da paisagem e, por sua vez, prever nos compromissos assumidos para a futura gestão, que as entidades responsáveis pelas políticas sectoriais assumam formalmente a partilha de responsabilidades quanto aos aspetos relativos à paisagem. Nesta sequência, deverão ser identificados os formatos mais eficientes de formalização de tais compromissos como podem constituir exemplo, as cartas de paisagem, estratégias de paisagem, revisão ou criação de legislação, orientações, recomendações, entre outros.
Face ao exposto, e de um modo genérico, são estes os desafios colocados pela CEP. Conclui-se que a CEP constitui um instrumento orientado para a ação, facilitando uma cooperação entre os países signatários, ao mesmo tempo que deixa lugar para as especificidades da estrutura administrativa de cada país e prevê que uma parte significativa da sua implementação seja adequada às escalas regional e local.
Cancela d’Abreu, et. al, 2005. “Livro das Paisagens dos Açores. Identificação e Caracterização da Paisagem dos Açores”. Secretaria Regional do Ambiente e do Mar. 2005.