Este item permite proceder à divulgação dos objetivos de qualidade de paisagem e das orientações para a gestão da paisagem dos Açores, com base nas paisagens identificadas, incluindo as respetivas caracterizações, elementos singulares e pontos panorâmicos, promovendo o conhecimento adquirido e o acompanhamento das políticas públicas de paisagem.
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Introdução
Introdução
A paisagem constitui-se como um dos aspetos identitários mais relevantes dos Açores. É o resultado de uma relação muito estreita entre as forças da natureza e a capacidade do Homem se adaptar a elas de uma forma eficiente e sensível, de onde resulta uma cultura muito própria, consolidada ao longo de cinco séculos. [+]
Ainda que muitos autores se tenham antes dedicado ao seu estudo, em 2005 é editado o Livro das Paisagens dos Açores, onde é feita a sua identificação e caracterização, prosseguindo uma abordagem comum em todas as ilhas do arquipélago.
É precisamente em 2005 que Portugal transcreve para a normativa nacional os compromissos assumidos com a ratificação da Convenção Europeia da Paisagem - CEP [Decreto n.º 4/2005, de 14 de fevereiro] em 2000, sendo o presente trabalho a oportunidade de refletir acerca de uma possível Estratégia Regional de Paisagem no âmbito daquele compromisso perante o Conselho da Europa.
Assim, ainda que o enquadramento teórico e conceptual do trabalho de 2005 se mantenha válido, torna-se necessário fazer uma atualização de alguns desses conceitos relativamente ao modo como a paisagem poderá ser entendida, de onde se destacam três aspetos: [i] a paisagem como recurso, [ii] a paisagem como um processo que resulta de complexas interações das componentes natural, cultural e social e [iii] um contexto adequado para refletir sobre o ordenamento do território açoriano.
Assim, a ideia de paisagem anterior à CEP englobava tanto os aspetos naturais como os culturais, sendo progressivamente sido considerada como o enquadramento apropriado para o planeamento e a gestão do território, visando a transição para a sustentabilidade. A paisagem exprimia sobretudo o resultado da interação espacial e temporal do Homem com o Ambiente, em toda a sua diversidade e criatividade [Green, 2000; Wolters, 2000]. Na Europa, ao longo dos anos 80 e 90, a paisagem foi sendo considerada nas estratégias e políticas orientadas para o território e para a conservação da natureza, prosseguindo uma abordagem distinta dos movimentos conservacionistas oriundos nos Estados Unidos, muito relacionados com os grandes Parques Nacionais, onde predominavam as paisagens naturais. No contexto Europeu, uma longa história de humanização e profunda transformação da paisagem, fez com que as paisagens naturais, no sentido pristino, sejam praticamente inexistentes, sendo as mais apreciadas o fruto da ação equilibrada do Homem sobre o ambiente natural. Passou então a ser reconhecida a necessidade de considerar o ambiente humanizado também como objeto de políticas de conservação, sendo o Homem visto como um, entre vários fatores de perturbação ambiental que, em conjunto, contribuem para a dinâmica de todo o sistema [I.U.C.N. et al., 1980]. Ao longo destas duas décadas, na continuação da abordagem iniciada em meados do século passado pela ecologia da paisagem, a dimensão interdisciplinar e holística do estudo e investigação da paisagem foi reforçada, nomeadamente com fortes contributos da geografia e da biologia, permitindo desenvolver o conceito de paisagem como um sistema [Brandt, 1998]. Nesta perspetiva, a paisagem passou a ser considerada como um sistema complexo e dinâmico, onde os diversos fatores naturais e culturais se influenciam mutuamente e evoluem em conjunto ao longo do tempo, determinando e sendo determinados pela estrutura global [Farina, 1997; Forman e Godron, 1986; Naveh e Lieberman, 1994; Swanson et al., 1990; Zonneveld, 1990]. A compreensão da paisagem implica, assim, o conhecimento de fatores como a litologia, o relevo, a hidrografia, o clima, os solos, a flora e a fauna, a estrutura ecológica, o uso do solo e todas as outras expressões da atividade humana ao longo do tempo, bem como a análise da sua articulação, o que resulta numa realidade multifacetada.
Também neste período, alguns autores já chamavam a atenção para a interação entre o sistema natural e o sistema social, que confere à paisagem uma dimensão territorial e cultural, no sentido em que o modo de apropriação da paisagem pelas comunidades presentes varia tanto com o sistema natural, como com os valores da sociedade que sobre ela atua [Andresen, 1992; Bernaldez, 1981; Saraiva, 1999; Telles, 1985]. A introdução da componente subjetiva na análise da paisagem foi assim sendo aprofundada, por vezes com dificuldade, o que se prende com o facto de ser dificilmente mensurável, de exigir a combinação de metodologias diversas e o desenvolvimento de novos instrumentos de avaliação.
Em 2000 é aprovada a CEP. Os seus objetivos partem da constatação de que as paisagens Europeias, devido a uma diversidade de fatores, se encontram num processo acelerado de transformação em várias e diferentes direções, o que justifica a necessidade de intervenção. Assim, os países que assinaram a Convenção, como é o caso de Portugal, reconhecem juridicamente a paisagem como elemento fundamental da qualidade de vida das populações, procurando definir políticas de paisagem que visem a sua proteção, gestão e ordenamento. Como medidas específicas, todas as partes se comprometem a aumentar a sensibilização da sociedade civil; a formar especialistas na compreensão e gestão das paisagens; a pôr em prática instrumentos que permitam proteger e gerir, de facto, as paisagens, realçando-se aqui, de forma especial, a necessidade de identificar as paisagens, analisar as suas características, as pressões a que estão sujeitas e a dinâmica que lhes é própria, e prosseguir com a sua monitorização. O conceito proclamado pela CEP – “Paisagem designa uma parte do território, tal como é apreendida pelas populações, cujo carácter resulta da interação de fatores naturais ou humanos” ao longo do tempo, evidencia a importância da dimensão cultural e social para além da natural.
No mesmo ano, o relatório “The Face of Europe” [Washer, 2000] propôs que a paisagem fosse considerada como “o produto concreto e característico da interação entre as sociedades humanas e a cultura com o ambiente natural”. Assim, as paisagens podem ser identificadas como unidades espaciais onde elementos e processos específicos refletem os bens naturais e culturais numa forma visível e espiritual, parcialmente quantificável, que variam segundo o lugar e o tempo, e que contribuem para o genius loci [Antrop, 2000; Makhzoumi e Pungetti, 1999] ou, por outras palavras, como uma configuração particular de relevo, coberto vegetal, uso do solo e povoamento, a que corresponde uma certa coerência nos processos e atividades naturais, históricos e culturais [Green, 2000]. Esta combinação confere a cada paisagem um determinado carácter, que está continuamente em mudança, mas é único para cada lugar, e tem um papel preponderante no estabelecimento da identidade local [Hughes e Buchan, 1999; Washer, 1999]. O papel da paisagem na identidade local e regional já tinha sido destacado por Orlando Ribeiro, ao afirmar que a paisagem de hoje, correspondendo a um produto do passado, constitui um registo da memória coletiva [Ribeiro, 1993]. Tal como salienta Jorge Gaspar [1993], "a paisagem torna-se um elemento tão poderoso de identificação cultural que, como a língua e a religião – no que ela transporta de código comportamental – entra no pano de fundo do universo onírico [...] E o mais espantoso ainda é que, ainda como a língua e a religião, também a paisagem se atualiza permanentemente".
Embora continue sem haver uma definição universal, e muitas questões continuem em aberto, tem-se verificado uma certa convergência de várias disciplinas e autores no sentido de integrar no conceito de paisagem, tanto quanto possível, as várias abordagens, tentando cobrir a enorme complexidade que a paisagem na realidade traduz e delinear as bases para a sua compreensão [Ávila Gomes, 2012; Oliveira et al., 2011].
Ora em 2000, à semelhança do que se passava em quase todo o mundo, não existia para Portugal, nem para os Açores, qualquer estudo sistemático acerca das suas paisagens. Os poucos estudos deste tipo que cobrissem a totalidade de territórios eram, à data, muito recentes e concentravam-se no centro e norte da Europa. Neste contexto, são de referir vários estudos aplicados de identificação e caracterização da paisagem, realizados no sentido do que determina a Convenção Europeia, mas anteriores à sua ratificação: Inglaterra [Countryside Commission, 1998]; Irlanda [Aalen et al., 1997]; Noruega [Fry e Pushman, 1999; Fry et al, 1999; Pushmann, 1998]; Suécia [Helmfrid, 1994]; Finlândia [Mansikka et al., 1993]; Eslovénia [Marusic et al., 1998]; Escócia [Usher, 1999]; Suíça [Walder e Glam, 1998]. Para além de apresentarem resultados em termos de reconhecimento das paisagens e identificação de unidades a várias escalas, estes estudos contribuíram significativamente para o debate das abordagens a utilizar e para o progressivo aperfeiçoamento das metodologias.
Mais recentemente os Catálogos de Paisagem, da responsabilidade do Observatório de Paisagem da Catalunha, elaborados entre 2008 e 2016, são considerados de referência [http://www.catpaisatge.net/esp/catalegs.php] a nível internacional, para além de outros que, sobretudo em Espanha e em Itália, têm vindo a colmatar a lacuna anteriormente existente neste tipo de estudos no sul da Europa. Para além de apresentarem resultados em termos de reconhecimento das paisagens e identificação de unidades a várias escalas, estes estudos contribuem para o debate das abordagens a utilizar e para o progressivo aperfeiçoamento das metodologias.
A nível nacional, a falta de um trabalho que incluísse todo o país ou, no caso presente, que abrangesse todo o arquipélago dos Açores, não significa a ausência de estudos e publicações de natureza muito diversa que, direta ou indiretamente, apresentavam já muita informação relativa à paisagem, embora na maior parte dos casos considerando esta numa aceção diferente da que se contemplaria nos trabalhos que viriam então a ser realizados para Portugal Continental [Cancela d’Abreu et al., 2004] e para os Açores [Cancela d’Abreu et al., 2005]. Em ambas as situações o conceito de paisagem prosseguido foi o de “sistema dinâmico, onde os diferentes fatores naturais e culturais interagem e evoluem em conjunto, determinando e sendo determinados pela estrutura global, o que resulta numa configuração particular, nomeadamente de relevo, coberto vegetal, uso do solo e povoamento, que lhe confere uma certa unidade e à qual corresponde um determinado carácter”.
Assim, respondendo a uma preocupação crescente em torno da temática da paisagem, e tendo em conta a ausência de uma visão integradora das vertentes ecológica, social, cultural, sensorial e económica acima mencionadas, pretendeu-se com o Estudo de Identificação e Caracterização da Paisagem dos Açores [Cancela d’Abreu et al., 2005], que todo o território fosse tratado de forma homogénea, com as mesmas bases de informação e os mesmos critérios, levando à identificação e caracterização de unidades de paisagem, ao diagnóstico das suas principais potencialidades e problemas, bem como à identificação das linhas orientadoras para a sua gestão, numa perspetiva integrada do ordenamento do território.
As unidades de paisagem foram consideradas como áreas possuidoras de um padrão específico, a que está associado um determinado carácter. A definição das unidades tomou em conta a multiplicidade de fatores que condicionam a paisagem, tanto aqueles que dizem respeito à componente mais objetiva, ou material, como à componente mais subjetiva. Por outro lado, ao definir unidades, teve-se obviamente que, mais uma vez, ter presente a escala de análise, e também a indicação da forma de diferenciação entre unidades e as similaridades comuns [Makhzoumi e Pungetti, 1999].
Para aquele primeiro estudo, com uma aproximação à escala regional, foram consideradas como unidades de paisagem as áreas com características relativamente homogéneas no seu interior, não por serem exatamente iguais em toda a superfície, mas por terem um padrão específico que se repete e que diferencia a unidade em causa das envolventes. Os fatores determinantes para a especificidade da paisagem numa unidade não são sempre os mesmos: podem ser as formas do relevo, a altitude, o uso do solo, a ocupação urbana, ou várias combinações entre estes fatores. Para além do padrão de paisagem específico, para que se defina uma unidade considerou-se necessário existir coerência interna e carácter próprio, identificável do interior e do exterior, eventualmente associado às representações da paisagem mais fortes na identidade local e/ou regional. Esta definição de unidade de paisagem correspondeu, em traços largos, ao conceito de "landscape character area", utilizado pelos ingleses e escoceses [Countryside Commission, 1998; Usher, 1999].
Pela sua natureza, a identificação e a caracterização das unidades de paisagem foram as componentes centrais do estudo e exigiram o desenvolvimento de uma metodologia adequada que, neste caso dos Açores, foi diferente da aplicada ao território continental devido às óbvias diferenças entre as paisagens respetivas, nomeadamente de escala, apesar de não haver qualquer divergência em termos de conceitos. A delimitação das unidades mostrou ser uma das tarefas mais difíceis de todo o processo, uma vez que não é frequente a transição de uma unidade de paisagem para uma outra se fazer através de uma linha de mudança brusca. Com exceção destes casos, os limites poderiam quase sempre ser ligeiramente alterados sem que tal implicasse questionar a coerência das unidades ou o seu carácter. Foram também individualizados os designados “Elementos Singulares” que, no essencial, são elementos com reduzida dimensão em termos de superfície ocupada, mas que se destacam no conjunto da unidade de paisagem pela sua diferença, pela qualidade intrínseca e/ou pelo impacto [sensitivo, cultural ou ecológico] que têm sobre a unidade.
Quanto à questão da avaliação da paisagem, tendo em conta a escala base do trabalho [1/25.000] e a informação que foi possível considerar naquele estudo, de carácter geral e integrado, optou-se por avançar simplesmente para uma apreciação descritiva, feita por peritagem e baseada em critérios previamente definidos e idênticos para todas as unidades. Tendo consciência da sensibilidade inerente a uma avaliação desenvolvida em modos tradicionais, e também da sua importância para qualquer tipo de estratégia de gestão da paisagem, a equipa baseou a abordagem e os critérios selecionados numa análise detalhada da bibliografia específica relativa a métodos desenvolvidos noutros países com finalidades semelhantes, em contactos com alguns especialistas envolvidos nestes processos e, também, num debate prolongado com os consultores do estudo, preocupação que foi mantida no processo de revisão do estudo.
A síntese da informação relativa a cada unidade de paisagem foi reunida numa ficha de caracterização que foi enquadrada e complementada com a síntese da informação relativa a cada ilha, onde se referem os aspetos comuns e particulares. Estes foram acompanhados por cartografia com indicação dos limites das unidades de paisagem identificadas. Apresentam-se ainda fotografias que se consideraram representativas da paisagem da ilha ou ilustrativas de aspetos de pormenor que se repetem nas várias unidades. Quanto às fichas de caracterização das unidades de paisagem, elas contêm um conjunto de dados que permitem identificar e caracterizar a unidade, organizados em dois campos: no primeiro, a identificação da unidade, inclui a localização geográfica, os concelhos ou partes de concelho abrangidos pela unidade, os principais centros urbanos e a área aproximada; no segundo, relativo à caracterização, inclui-se uma síntese do carácter da paisagem – os aspetos físicos e humanos mais marcantes que a caracterizam e a distinguem da envolvente –, uma breve descrição dos elementos singulares, os pontos panorâmicos e orientações para a gestão da paisagem.
As unidades de paisagem obtidas resultam dos critérios desenvolvidos pela equipa do estudo, assumindo-se em todo o processo uma significativa subjetividade, tendo-se plena consciência que outros peritos poderiam chegar a resultados diferentes, também justificáveis por critérios próprios. É importante ter presente que o primeiro estudo de identificação e caracterização da paisagem correspondia a um contexto temporal bem definido, de acordo com as dinâmicas verificadas no início dos anos 2000. De realçar, contudo, que todo o estudo considerou que a paisagem não pode ser entendida como imutável ou a conservar como se de um museu se tratasse. Muito pelo contrário, defende-se uma atitude de construção de novas paisagens, equilibradas e sustentáveis [considerando a sua dimensão ambiental, socioeconómica e cultural], que respondam às necessidades atuais das comunidades humanas, sem negar o passado nem fechar as portas ao futuro. Como tal a atualização que foi recentemente efetuada, pretende dar conta das principais transformações ocorridas.
No domínio legal, a Constituição Portuguesa contém referências explícitas à paisagem no seu artigo 66º, segundo o qual "Incumbe ao Estado [...] classificar e proteger paisagens", bem como "ordenar e promover o ordenamento tendo em vista [...] paisagens biologicamente equilibradas". A Lei de Bases do Ambiente [Lei n.º 11/87, de 7 de abril], revogada pela Lei n.º 19/2014, de 14 de abril, fazia várias referências à paisagem, e continha dois artigos que lhe diziam diretamente respeito [artigo 18º - Paisagem e artigo 19º - Gestão da Paisagem], embora numa aceção restrita [estética e visual] que não corresponde ao conceito presente no restante articulado da Lei.
Na atual Lei, no seu artigo 10º relativo a “Componentes ambientais naturais” refere-se a paisagem quando se afirma que “A política de ambiente tem por objeto os componentes ambientais naturais, como o ar, a água e o mar, a biodiversidade, o solo e o subsolo, a paisagem, e reconhece e valoriza a importância dos recursos naturais e dos bens e serviços dos ecossistemas…” sendo especificado, na alínea f] que “A salvaguarda da paisagem implica a preservação da identidade estética e visual, e da autenticidade do património natural, do património construído e dos lugares que suportam os sistemas socioculturais, contribuindo para a conservação das especificidades das diversas regiões que conjuntamente formam a identidade nacional.”.
Por sua vez, a Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo [Lei n.º 48/98, de 11 de agosto], revogada pela Lei de Bases Gerais da Política de Solos, do Ordenamento do Território e do Urbanismo [Lei n.º 31/2014, de 30 de maio], só se referia diretamente à paisagem no artigo 6º [Objectivos do Ordenamento do Território e do Urbanismo], apesar de conter múltiplas indicações que, a serem cumpridas, teriam repercussões muito positivas sobre as paisagens do país. Na Lei atualmente em vigor, no artigo 2º, relativo aos seus Fins, é referido na alínea h] “Promover a defesa, a fruição e a valorização do património natural, cultural e paisagístico”, não voltando a fazer referências relevantes de forma explícita à paisagem no resto do diploma. O mesmo se passa com a sua regulamentação [Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, que desenvolve o regime do uso do solo e dos instrumentos de gestão territorial], uma vez que só refere diretamente a questões da paisagem nos artigos 17º e 54º [estabelecendo que o relatório que acompanha os planos regionais de ordenamento do território deve conter a definição de unidades de paisagem]. Na Região Autónoma dos Açores, e com a publicação do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial dos Açores – RJIGT_A [Decreto Legislativo Regional n.º 35/2012/A, de 16 de agosto], este território regional passou a considerar um regime de proteção da paisagem, de acordo com o seu artigo 24.º, tendo em conta as disposições da CEP. Assim, na Região, os Instrumentos de Gestão Territorial devem considerar a identificação e localização das paisagens presentes no território, estabelecendo normas para a proteção dos seus elementos paisagísticos relevantes, visando alcançar o desenvolvimento sustentável e estabelecendo uma relação equilibrada e harmoniosa entre as necessidades sociais, as atividades económicas e o ambiente, para além de definirem normas de proteção e ordenamento compatíveis com os Objetivos de Qualidade de Paisagem estabelecidos. Para além do mencionado, os Instrumentos de Gestão Territorial também devem identificar, sempre que relevante, bacias visuais dos principais miradouros e locais de maior interesse para a fruição da paisagem, estabelecendo as medidas necessárias para a proteção desses locais e para a gestão da paisagem em que essa bacia se insere, cabendo aos planos municipais de ordenamento do território [PMOT] incluir, obrigatoriamente, as disposições necessárias para o cumprimento do consagrado na CEP.
Em outros diplomas legais, quer no âmbito do ordenamento do território como do ambiente, surgem variadíssimas referências diretas à paisagem, cuja qualidade é implicitamente reconhecida como um objetivo importante da gestão do território. No entanto, verifica-se que não se efetivam mecanismos de execução daquelas regras ou que estes raramente são concretizados no terreno.
Em suma, pode dizer-se, de um modo geral, que o corpo legislativo português reconhece a relevância do conceito de paisagem e da sua utilização em termos ambientais e de ordenamento mas, no geral, não é transposto para a realidade do território aquando da sua gestão. Destaca-se, no entanto, a importância reconhecida à paisagem no quadro legislativo da Região Autónoma dos Açores, uma vez que através do RJIGT_A, os IGT, em especial os PMOT, devem desenvolver-se tendo por base o cumprimento das disposições previstas pela CEP. A reforçar ao mencionado, importa ainda destacar que, através da publicação da Resolução n.º 135/2018, de 10 de dezembro, o Governo dos Açores aprovou os Objetivos de Qualidade de Paisagem e as Orientações para a Gestão da Paisagem dos Açores, em cumprimento com as diretrizes da Convenção Europeia da Paisagem, constituindo um marco pioneiro em Portugal e reforçando, em articulação com os IGT, a promoção da proteção, ordenamento e gestão ativa e integrada da Paisagem dos Açores.
Para fazer face a este vazio legal e estratégico, a Política Nacional de Arquitetura e Paisagem, aprovada em 2015 através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 45/2015 de 7 de julho, constitui-se como um compromisso onde são vertidos um conjunto de objetivos estratégicos e de orientações para o território nacional, chamando a atenção para a necessidade de integração de políticas sectoriais e multinível, capazes de promover a qualidade da paisagem e da arquitetura. Entende-se que ao determinarem a natureza e os atributos do espaço e ambiente físicos e construídos, a Arquitetura e a Paisagem assumem uma relevância decisiva no bem-estar e na qualidade de vida das populações. É nesta medida, reconhecido o seu valor e impacto social, cultural, económico e ambiental, e atentas as tarefas fundamentais do Estado estabelecidas na Constituição da República Portuguesa, que a Arquitetura e a Paisagem passem a ser objeto e domínio de Política Pública.
Considerando este quadro legal, a revisão e atualização do trabalho que agora se apresenta prossegue a essência do trabalho inicial de 2005, anteriormente descrita, e procura atender ao conhecimento e informação sobre a paisagem dos Açores que foi produzido na última década. Essa informação foi vertida para os conteúdos das fichas de ilha e fichas de unidade de paisagem. O ensaio de uma nova metodologia para a definição das unidades de paisagem que permitisse uma confrontação com a delimitação anterior foi aplicado em duas ilhas consideradas como estudos de caso – São Miguel e São Jorge. Nestas duas situações, mas à escala da unidade de paisagem, foi também iniciado o processo de definição de objetivos de qualidade de paisagem numa lógica participativa dos atores locais [a unidade de paisagem SM8 – Picos, em São Miguel e a unidade de Paisagem SJ8 – Arribas e Fajãs da Costa Norte, em São Jorge].
Deixa-se assim uma porta aberta para que os Açores sejam pioneiros na abordagem à paisagem no sentido que lhe é dado pela Convenção Europeia da Paisagem e pela Política Nacional de Arquitetura e Paisagem, adotando práticas inovadoras que assegurem a gestão adequada de um recurso onde assenta uma boa parte do seu desenvolvimento.