Ordenamento do Território dos Açores

Este item permite proceder à divulgação dos objetivos de qualidade de paisagem e das orientações para a gestão da paisagem dos Açores, com base nas paisagens identificadas, incluindo as respetivas caracterizações, elementos singulares e pontos panorâmicos, promovendo o conhecimento adquirido e o acompanhamento das políticas públicas de paisagem.

Caracterização e Identificação das Paisagens dos Açores | RAA

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Dinâmica da Paisagem

Dinâmica da Paisagem

A paisagem açoriana resulta de uma profunda humanização que decorreu ao longo de cinco séculos, com dinâmicas influenciadas por acontecimentos históricos determinantes que, nalguns casos, a insularidade esbateu, retardando os efeitos da evolução cultural e tecnológica com repercussões no geral negativas mas, por vezes, também positivas. Dessa evolução fizeram parte grandes transformações da paisagem baseadas em longos ciclos dominados por algumas culturas como os cereais, o anil, a vinha, a laranja, o chá, o ananás, a criptoméria ou as pastagens. Em tempos mais recentes, assiste-se a transformações mais intensivas e rápidas, mas também mais localizadas, como seja a construção de grandes infraestruturas [aeroportos, portos, rodovias] ou expansões urbanas dos principais centros. A melhoria dos meios de comunicação com o exterior, tanto com o Continente como com o mundo em geral, e a aposta que tem sido feita para promover e divulgar o Arquipélago nas últimas décadas, tem vindo a refletir-se num conjunto de dinâmicas sociais, económicas e culturais que, direta ou indiretamente, interagem com a paisagem e que estão na origem de importantes problemáticas: [+]

os censos de 2011 evidenciam um ligeiro aumento da população no arquipélago, o que se traduz em mais cerca de 2% na densidade populacional. Este crescimento deve-se, em boa parte à diversidade demográfica e concentração populacional nas ilhas de maior dimensão e mais densamente povoadas [São Miguel e Terceira], para além do Corvo, como caso particular;

a tendência de perda de população nalgumas ilhas [entre os censos de 1991 e 2001, em que se verificou um decréscimo populacional nas ilhas de Santa Maria, Graciosa, Pico, São Jorge e Flores] continua a manifestar-se em 2011, bem como a alteração da sua distribuição espacial, correspondente à transferência da população dos aglomerados mais pequenos para os centros urbanos de maior dimensão, à semelhança do que acontece no Continente. Esta dinâmica populacional corresponde, também, ao abandono da atividade agrícola nos meios mais rurais, engrossando o sector dos serviços, com reflexos na paisagem aos dois níveis: no campo, ao nível da dominância de culturas como a pastagem ou a floresta, menos exigentes em mão-de-obra; no meio urbano, visível numa progressiva expansão urbana, no aumento do tráfego no interior das cidades e na maior expressão das estruturas e infraestruturas inerentes ao aumento populacional, com especial destaque para a rede de acessibilidades em São Miguel e na Terceira e nas infraestruturas portuárias e aeroportuárias da maior parte das ilhas. 

No que se refere à repercussão destes fenómenos nas alterações de uso do solo são de evidenciar fenómenos como:

alterações da área de pastagem, que até 1999 sofreu uma manifesta expansão, ocupando áreas mais baixas e outras mais elevadas, relativamente às que tradicionalmente tinham esta utilização, eliminando espaços agrícolas, florestais e de lagoas, algumas das quais utilizadas para abastecimento público. A gestão das bacias drenantes para estes sistemas lacustres obriga igualmente a medidas que passam obrigatoriamente pela redução da área de pastagens ou pela aplicação de boas práticas, que os planos de bacia têm vindo a implementar procurando corrigi-los, como foi o caso da bacia drenante da Lagoa das Furnas em São Miguel, no âmbito do qual foi atribuído o Prémio Nacional de Paisagem em 2012 ao Laboratório de Paisagem das Furnas. Também a exploração de pedreiras e cascalheiras deverá ser merecedora de especial atenção, de forma a minorar os impactes na paisagem e o agravamento dos problemas de erosão, cuja atividade já se encontra abrangida por um plano sectorial de ordenamento do território, publicado em 2015 [Plano Sectorial para as Atividades Extrativas da Região Autónoma dos Açores publicado através do Decreto Legislativo Regional n.º 19/2015/A, de 14 de agosto], bem como pelo regime instituído através do Decreto Legislativo Regional n.º 12/2007/A, de 5 de junho, alterado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 20/2012/A, de 18 de abril [Regime Jurídico da Revelação e Aproveitamento de Massas Minerais na Região Autónoma dos Açores];

aumento das superfícies florestais, cuja tendência já se identificava nos dados do Recenseamento Geral da Agricultura [RGA] de 1999, com destaque para os povoamentos de criptoméria, árvore originária do Japão, primeiro utilizada em abrigos e sebes e depois, dada a sua fácil adaptação ao clima açoriano, foi a conífera mais utilizada na florestação dos Açores. A sua madeira facilmente trabalhável é bastante utilizada pela indústria madeireira, correspondendo esta espécie a aproximadamente metade da área florestal açoriana, onde o eucalipto tem também uma presença importante [Martins, 2000]. No RGA de 2009 o aumento deste uso veio a confirmar-se para a grande maioria das ilhas, como resultado do abandono agrícola e de algumas áreas de pastagem, a par da instalação de novos povoamentos em áreas anteriormente ocupadas por vegetação natural;

expansão urbana pouco ordenada, correspondente à construção que acolhe uma parte significativa da população que vem de aglomerados de menor dimensão ou a outra que se transfere dos núcleos mais antigos das cidades e procura construções mais modernas na periferia. Este fenómeno é particularmente claro entre Ponta Delgada e Lagoa [São Miguel] e em Vila do Porto e Almagreira [Santa Maria], onde a expansão se desenvolve sobretudo ao longo das vias, com consequências ao nível das dispendiosas redes de infraestruturas, com problemas de circulação viária e também com a redução da identidade das freguesias. Este processo inclui duas outras vertentes: a construção em loteamentos, sobretudo na periferia de Ponta Delgada e a construção de vivendas dispersas, por exemplo na costa norte, na zona das Capelas; 

construção de estruturas e infraestruturas com deficiente integração paisagística, nomeadamente as vias sobredimensionadas, em São Miguel e Terceira, relacionadas com a valorização do carro como símbolo social, quando as tendências atuais são no sentido de considerar os transportes públicos como alternativa, o que representa uma gestão mais racional do ponto de vista ambiental e económico. É também fundamental acautelar a integração de outras estruturas e infraestruturas, pois a adoção de soluções equilibradas em harmonia com os espaços envolventes é imprescindível para a qualificação e valorização da paisagem, do património natural e edificado. A polémica construção da marina de Angra do Heroísmo não terá acautelado aquela qualificação nem aproveitado convenientemente os excecionais recursos patrimoniais, económicos, culturais e estéticos presentes, o que conduz à desvalorização do conjunto em que se insere; 

abandono de áreas agrícolas e consequente degradação dos sistemas tradicionais e de algum do património construído e cultural associado, nomeadamente as vinhas em currais sobre biscoito, as antigas adegas, alguns muros de compartimentação, os moinhos de vento, as azenhas, pese embora o esforço inerente à recuperação pontual de alguns exemplares e a proteção de paisagens como a Paisagem da Cultura da Vinha da Ilha do Pico, designada pela UNESCO em 2004; 

aumento da procura turística e risco de pressão sobre determinados locais, nomeadamente para a construção de equipamentos, ainda que se esteja a tempo de planificar uma correta gestão deste sector em expansão.

Não obstante, tem-se verificado na Região Autónoma dos Açores um esforço ao nível do ordenamento do território, com reflexo nos Planos aprovados, bem como nos processos de alteração que se encontram em curso, e na uma crescente sensibilidade das entidades responsáveis para a compreensão e valorização da paisagem. A aprovação, pela União Europeia, de 27 Sítios de Importância Comunitária e Zonas Especiais de Conservação situados nas diferentes ilhas do arquipélago dos Açores [integrados no conjunto dos 208 sítios da Região Macaronésica], classificados no âmbito da Rede Natura 2000, constituiu um passo importante para a conservação dos valores naturais, tendo posteriormente sido alvo do desenvolvimento de um plano sectorial de ordenamento do território publicado em 2006 [Plano Sectorial da Rede Natura 2000 da Região Autónoma dos Açores publicado através do Decreto Legislativo Regional n.º 20/2006/A, de 6 de junho, alterado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 7/2007/A, de 10 de abril]. Destaca-se, ainda, que todo o Arquipélago encontra-se coberto por instrumentos de gestão territorial, designadamente o Plano Regional de Ordenamento do Território dos Açores [Decreto Legislativo Regional n.º 26/2010/A, de 12 de agosto], por cinco planos sectoriais de ordenamento do território [cujas áreas de atuação assentam no turismo, Rede Natura 2000, atividades extrativas, resíduos e gestão da água], por 10 planos de ordenamento da orla costeira [que cobrem toda a Região], por cinco planos de ordenamento de bacias hidrográficas, um plano de ordenamento de área protegida relativo à Paisagem Protegida da Cultura da Vinha da Ilha do Pico [publicado desde 2006 e cuja alteração introduzida pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 7/2014/A, de 6 de maio, revogou o diploma que inicialmente o publicou], dezanove planos diretores municipais que cobrem todos os concelhos da Região [sendo que cinco deles já foram revistos], nove planos de urbanização e doze planos de pormenor, de que resulta a preocupação de questões da paisagem nos seus modelos e regimes definidos. Também são notórias algumas iniciativas no sentido do aproveitamento das potencialidades turísticas, nomeadamente a construção e a beneficiação de miradouros e parques de merendas, [por vezes merecedores de uma melhor integração paisagística, em detrimento da sua imposição ao sítio], a sinalização de locais e percursos, o usufruto recreativo de parques florestais, etc. Também é de salientar a promoção de atividades como o mergulho, a pesca desportiva, a observação de baleias, o surf ou o pedestrianismo pois são atividades que, utilizando os recursos paisagísticos, se compatibilizam facilmente com a sua conservação, com a sua escala e com outras potencialidades dos Açores. A crescente procura de turismo verde ou ecológico tem-se revelado como alternativa ao modelo dominante de turismo de massas baseados no sol e praia. Tendo em conta a crescente procura turística dos Açores, deve-se apostar nessa vertente de turismo verde, em profunda articulação com outros sectores da economia regional.

A paisagem constitui assim um dos recursos mais importantes a considerar nas políticas relativas ao ordenamento do território, por resultar de uma conjugação de muitos e variados fatores que influenciam toda a sociedade e cada um dos seus indivíduos. À paisagem deverão ainda ser associados outros valores culturais, incluindo a sua estreita relação com produtos de qualidade, que no caso açoriano podem ser o queijo de São Jorge, o Verdelho do Pico [e demais vinhos de qualidade], ou o ananás e o chá de São Miguel, exemplos que devem ser seguidos por outros produtos a valorizar e divulgar.

Pese embora as problemáticas associadas a estas recentes transformações, as paisagens açorianas ainda mantêm um carácter muito particular, inigualável no contexto continental e bastante distinto relativamente à ilha da Madeira ou a outras ilhas e arquipélagos atlânticos. Esta especificidade que resulta diretamente das características naturais mas, também, de uma utilização dos recursos razoavelmente adequada em que, no geral, o uso do solo ainda se mantém em harmonia com a sua aptidão, permite que os Açores possam afirmar-se como uma região demonstrativa de um adequado ordenamento e gestão da paisagem, conciliando e tirando partido das suas componentes ambiental, socioeconómica e cultural.

Torna-se imprescindível aumentar a sensibilização da sociedade civil, das organizações privadas e das autoridades públicas para o valor das paisagens e para a transformação a que estão sujeitas, assim como definir e prosseguir objetivos de qualidade, pôr em prática instrumentos que permitam proteger e gerir as paisagens, não esquecendo a indispensável participação pública em todo o processo.

Para finalizar, citam-se as expressivas considerações de Luiz Fagundes Duarte [in Bruno et al., 1999] que dão bem a medida do sentido deste trabalho e do sentimento com que alguns açorianos vêm as suas paisagens: “Nos Açores a paisagem é um gesto cultural porque é na paisagem das nossas ilhas que melhor encontramos registado, como num precioso documento, o gesto histórico de adaptação do homem ao meio; e esse é um gesto cultural, porque resulta da capacidade do açoriano para entender a terra onde poisa os pés – e a ela ajeitar o andar. Nas nossas ilhas, o andar dos homens deixa como pegadas casas e maroiços, fortes e abrigos, igrejas e curraletas, e nas pedras que ainda restam destas casas, maroiços, fortes, abrigos, igrejas e curraletas, podemos ler a história cultural daqueles que antes de nós por aqui andaram – e envergonhados constatamos como somos capazes de, hoje, deformar e até mesmo apagar as pegadas que os nossos pais deixaram na paisagem das ilhas, e de assim esquecer que temos filhos”.